O Orgulho

Revista Espírita, maio de 1858

DISSERTAÇÃO MORAL DITADA POR SÃO LUÍS À SENHORITA HERMANCE DUFAUX

(19 e 26 de janeiro de 1858.)

Um orgulhoso possuía alguns hectares de boa terra; estava vaidoso com as pesadas espigas que cobriam o seu campo, e não abaixava senão um olhar de desdém sobre o campo estéril do humilde. Este se levantava ao canto do galo, e passava o dia todo curvado sobre o solo ingrato; recolhia pacientemente as pedras, e ia jogá-las à beira do caminho; revolvia profundamente a terra e extirpava, penosamente, os espinheiros que a cobriam. Ora, seus suores fecundaram seu campo e resultou em puro frumento.

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No entanto, o joio crescia no campo do soberbo e sufocava o trigo, enquanto o senhor ia se glorificar da sua fecundidade, e olhava com um olhar de piedade os esforços silenciosos do humilde.

Eu vos digo, em verdade, o orgulho é semelhante ao joio que sufoca o bom grão. Aquele dentre vós que se crê mais do que seu irmão, e que se glorifica de si, é insensato; mas é sábio esse que trabalha em si mesmo, como o humilde em seu campo, sem tirar vaidade da sua obra.

II

Houve um homem rico e poderoso que detinha o favor do príncipe; habitava palácios, e numerosos servidores se apressavam sobre os seus passos a fim de prevenirem os seus desejos.

Um dia em que suas matilhas forçavam o cervo nas profundezas de uma floresta, percebeu um pobre lenhador que caminhava penosamente sob um fardo de lenha; chama-o e lhe diz:

– Vil escravo! por que passas em teu caminho sem te inclinares diante de mim? Eu sou igual ao soberano, minha voz decide nos conselhos da paz ou da guerra, e os grandes do reino se curvam diante de mim. Sabe que sou sábio entre os sábios, poderoso entre os poderosos, grande entre os grandes, e a minha elevação é a obra das minhas, mãos.

– Senhor! respondeu o pobre homem, temi que minha humilde saudação fosse uma ofensa para vós. Sou pobre e não tenho senão os meus braços por todo o bem, mas não desejo as vossas enganosas grandezas. Durmo o meu sono, e não temo, como vós, que o prazer do soberano me faça cair em minha obscuridade Ora, o príncipe se cansou do orgulho do soberbo; os grandes humilhados se reergueram sobre ele, que foi precipitado do auge do seu poder, como a folha seca que o vento varre do cume de uma montanha; mas o humilde continua pacificamente seu rude trabalho, sem preocupação com o futuro.

III

Soberbo, humilha-te, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó!

Escuta! Nasceste onde a sorte te colocou; saíste do seio de tua mãe fraco e nu como o último dos homens. De onde vem, pois, que eleves tua fronte mais alta do que teus semelhantes, tu que nasceste, como eles, para a dor e para a morte?

Escuta! Tuas riquezas e tuas grandezas, vaidades do nada, escaparão das tuas mãos quando o grande dia chegar, como as águas inconstantes das torrentes que o sol seca. Não carregarás de tua riqueza senão as tábuas do teu caixão, e os títulos gravados sobre a tua pedra tumular serão palavras vazias de sentido.

Escuta! O cão do coveiro brincará com os teus ossos, e eles serão misturados com os ossos do mendigo, e o teu pó se confundirá com o dele, porque um dia vós ambos não sereis senão pó. Então amaldiçoarás os dons que recebeste vendo o mendigo revestido com a sua glória, e chorarás o teu orgulho.

Humilha-te, soberbo, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó.

Por que, São Luís, nos falas em parábolas? – R. O espírito humano ama o mistério; a lição se grava melhor no coração, quando procurada.

– Pareceria que, hoje, a instrução deva ser dada de um modo mais direto, e sem que haja necessidade da alegoria? – R. Encontrá-la-eis no desenvolvimento. Desejo ser lido, e a moral tem necessidade de estar disfarçada sob o atrativo do prazer.

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Considerações sobre o Espírito Batedor de Bergzabern

Revista Espírita, maio de 1858

A explicação solicitada pelo narrador que acabamos de citar, é fácil de ser dada; não há senão uma, e só a Doutrina Espírita pode fornecê-la. Esses fenômenos nada têm de extraordinário para quem esteja familiarizado com aqueles aos quais os Espíritos nos habituaram. Sabe-se qual papel certas pessoas fazem a imaginação representar; sem dúvida, se o menino não tivesse tido senão visões, os partidários da alucinação estariam em condições favoráveis; mas aqui havia efeitos materiais de uma natureza inequívoca, que tiveram um grande número de testemunhas, e seria preciso supor que todas estavam alucinadas ao ponto de crerem que ouviam o que não ouviam, e vissem se movimentarem móveis imóveis; ora, haveria nisso um fenômeno mais extraordinário ainda. Não resta aos incrédulos senão um recurso, o de negarem; é mais fácil e isso dispensa raciocinar.Considerações sobre o espírito batedor de Bergzabern

Examinando a coisa do ponto de vista espírita, fica evidente que o Espírito que se manifestou era inferior ao do menino, uma vez que lhe obedecia; estava mesmo subordinado aos assistentes, uma vez que também podiam comandá-lo. Se não soubéssemos, pela Doutrina, que os Espíritos dito batedores estão na base da escala, o que se passou disso seria uma prova. Não se conceberia, com efeito, que um Espírito elevado, não mais do que os nossos sábios e nossos filósofos, viesse se distrair batendo marchas e valsas, representando, em uma palavra, o papel de malabarista, nem se submeter aos caprichos de seres humanos. Ele se apresenta sob os traços de um homem de mau aspecto, circunstância que não pode senão corroborar esta opinião; o moral se reflete, em geral, sobre o envoltório. Está, pois, averiguado por nós que o batedor de Bergzabern é um Espírito inferior, da classe dos Espíritos levianos, que se manifestou como tantos outros o fizeram e o fazem todos os dias.

Agora, com qual objetivo veio? A notícia não diz se foi chamado; hoje, quando se está mais experimentado sobre essa espécie de coisas, não se deixaria chegar um visitante tão estranho sem se informar por que veio. Não podemos, pois, senão estabelecer uma conjectura. E certo que ele nada fez que revele maldade ou má intenção; o menino não sofreu nenhuma perturbação, nem física nem moral; só os homens teriam podido perturbar seu moral ferindo sua imaginação com contos ridículos, e é feliz porque não hajam feito. Esse Espírito, por inferior que fosse, não era, pois, nem mau nem malevolente; era simplesmente um desses Espíritos, tão numerosos, dos quais estamos, sem cessar, rodeados sem o sabermos. Poderia agir, nessa circunstância, por um simples efeito do seu capricho, como também poderia fazê-lo por instigação de Espíritos elevados, tendo em vista despertar a atenção dos homens e convencê-los da realidade de um poder superior fora do mundo corpóreo.

Quanto ao menino, é certo que era um desses médiuns de influência física, dotados, sem o saberem, dessa faculdade, e que são para os outros médiuns o que os sonâmbulos naturais são para os sonâmbulos magnéticos. Essa faculdade dirigida com prudência, por um homem experimentado na nova ciência, teria podido produzir coisas mais extraordinárias ainda e de natureza a lançarem uma nova luz sobre esses fenômenos, que não são maravilhosos senão porque não são compreendidos.

O Espírito batedor de Bergzabem

Revista Espírita, maio de 1858

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Nós já havíamos ouvido falar de certos fenômenos espíritas que fizeram muito ruído em 1852, na Bavière renana, nas proximidades de Spire, e sabíamos que um relato autêntico deles havia sido publicado numa brochura alemã. Depois de pesquisas, por longo tempo infrutíferas, uma senhora, entre os nossos assinantes de Alsace, e que manifestou, nessa circunstância, um zelo e uma perseverança da qual lhe somos infinitamente reconhecidos, conseguiu, enfim, adquirir para si essa brochura, que fez o obséquio de nos endereçar. Damos-lhe a tradução in extenso’, será lida, sem dúvida, com tanto mais interesse por ser, entre tantas outras, uma prova a mais de que fatos desse gênero são de todos os tempos e de todos os países, visto que estes, dos quais tratamos, se passaram numa época em que apenas se começava a falar dos Espíritos.

PREFÁCIO

Um acontecimento estranho e, desde há vários meses, o assunto de todas as conversas de nossa cidade e dos arredores. Queremos falar do Batedor, como é chamado, da casa do alfaiate Pierre Sanger.

Até então, nos abstivemos de qualquer narração, em nosso jornal (Journal de Bergzabern) sobre as manifestações que se produziram nessa casa desde o dia 19 de janeiro de 1852; como, porém, despertaram a atenção geral, a tal ponto que as autoridades creram dever pedir ao doutor Beutner uma explicação a esse respeito, e que o doutor Dupping, de Spire, se postou mesmo sobre os lugares para observar os fatos, não podemos adiar por mais tempo em comunicá-las ao público.

Nossos leitores não esperem de nós um julgamento sobre a questão, no qual ficaríamos muito embaraçados; deixamos esse encargo àqueles que, pela natureza dos seus estudos e da sua posição, estão mais aptos a se pronunciarem, o que, aliás, farão sem dificuldade se chegarem a descobrir a causa desses efeitos. Quanto a nós, limitar-nos-emos à narração dos fatos, principalmente daqueles dos quais fomos testemunhas, ou que temos de pessoas dignas de fé, deixando ao leitor formar a sua opinião.

F.-A. blanck,

Redator do Journal de Bergzabem.

Maio de 1852

No dia 1o de janeiro deste ano (1852), a família Pierre Sanger, de Bergzabem, ouviu na casa que habitava, e num quarto vizinho do qual ficava comumente, como um martelamento que começava primeiro por golpes surdos, parecendo virem de longe, que se Cornavam depois mais fortes e mais e mais marcantes. Esses golpes pareciam ser dados sobre a parede, junto à qual estava colocada a cama onde dormia seu filho, com a idade de onze anos. Habitualmente, era entre nove horas e meia e dez horas e meia que o ruído se fazia ouvir. O casal Sanger primeiro não lhes deu atenção, mas, como essa singularidade se renovava a cada noite, pensaram que isso podia provir da casa vizinha, onde um enfermo se divertia, à guisa de passatempo, em bater o tambor na parede. Logo se convenceu que esse enfermo não existia e não podia ser a causa desse ruído. Removeu-se o solo do quarto, derrubou-se a parede, mas sem resultado. A cama foi transportada para o lado oposto do quarto; então, coisa espantosa, foi desse lado que o ruído ocorreu, e logo que a criança adormecia. Estava claro que a criança estava, de algum modo, na manifestação do ruído, e se supôs, depois que todas as pesquisas da polícia nada descobriram, que esse fato deveria ser atribuído a uma enfermidade da criança ou uma particularidade de sua conformação. Todavia, nada, até então, veio confirmar essa suposição. É, ainda, um enigma para os médicos.

No entanto, a coisa não faz senão desenvolver-se; o ruído se prolonga além de uma hora e as pancadas têm mais força. A criança foi mudada de quarto e de cama, o batedor se manifesta nesse novo quarto, sob o leito, no leito e na parede. As pancadas não eram idênticas; eram ora fortes, ora fracas e isoladas, ora, enfim, se sucediam rapidamente, e segundo o ritmo de marchas militares e de danças.

A criança ocupava, há alguns dias, o acima mencionado quarto, quando se nota que, durante o sono, emitia palavras breves, incoerentes. As palavras tomam-se logo mais distintas e mais inteligentes; parecia que a criança se entrelinha com um outro ser, sobre o qual tinha a autoridade. Entre os fatos que se produziam cada dia, o autor desta brochura narrará um do qual foi testemunha: Estava a criança em sua cama, deitada sobre o lado esquerdo. Apenas adormeceu, os golpes começaram e ela se pôs a falar da espécie: “Tu, tu, bate uma marcha” . E o batedor bate uma marcha, bastante parecida com uma marcha bávara. À ordem de “Alto!” da criança, o batedor pára. A criança diz então: “Bate três, seis, nove vezes”, e o batedor executa a ordem. Sob uma nova ordem de bater 19 golpes, 20 golpes se fizeram ouvir, a criança sonolenta diz: “Não está bem, foram 20 golpes,” e logo 19 golpes foram contados. Em seguida, a criança pede 30 pancadas; ouvem-se 30 golpes. “100 pancadas.” Não se pôde contar senão até 40, tão rapidamente se sucediam as pancadas. Ao último golpe a criança disse: “Muito bem; agora 110.” Aqui não se pôde contar senão até perto de 50. Ao último golpe, o dorminhoco disse: “Não é isso, não foram senão 106,” e logo 4 pancadas se fizeram ouvir para completarem o número de 110. O menino pede em seguida: “Mil!” Não foram dados senão 15 golpes. “Bem, vamos!” Ocorreram, ainda, 5 pancadas e o batedor se detém. Veio, então, na idéia dos assistentes, comandarem, eles mesmos, o batedor, que executa as ordens que lhe dão. Ele silenciava à ordem de “Alto! Silêncio! Sossega!” Depois, por si mesmo e sem ordem, começava a bater. Um dos assistentes disse, baixinho, em um canto do quarto, que queria mandar, unicamente pelo pensamento, que golpeasse 6 vezes. O experimentador se coloca, então, diante da cama e não diz uma única palavra: ouvem-se 6 pancadas. Mandam-se, ainda pelo pensamento, 4 golpes: quatro pancadas foram dadas. A mesma experiência foi tentada por outras pessoas, que não se saíram bem. Logo o rapaz estende os membros, afasta a coberta e se levanta.

Quando se lhe perguntou o que havia ocorrido, respondeu ter visto um homem grande e com cara de mau, que se mantinha diante da sua cama e lhe comprimia os joelhos. Acrescentou que sentia dor nos joelhos, quando esse homem batia. A criança dormiu de novo e as mesmas manifestações se reproduziram até o momento em que o relógio do quarto soou onze horas. De repente, o batedor se calou, a criança entrou num sono tranqüilo, que se reconheceu pela regularidade da respiração, e nessa noite nada mais se fez ouvir. Notamos que o batedor batia, sob a ordem que recebia, marchas militares. Várias pessoas afirmam que, quando se pedia uma marcha russa, austríaca ou francesa, ela era batida com exatidão.

No dia 25 de fevereiro, estando dormindo, o menino disse: “Não queres mais bater agora, queres raspar, muito bem! quero ver como o farás.” E, com efeito, no dia seguinte, 26, em lugar de pancadas, ouve-se uma raspadura que parecia vir da cama, e que está se manifestando até este dia. Os golpes se misturaram à raspadura, ora alternadamente, ora simultaneamente, de tal modo que, nas músicas de marcha ou de dança, a raspadura faz a primeira parte, e os golpes a segunda. De acordo com o pedido, a hora do dia, a idade das pessoas presentes são indicadas por raspadura ou golpes secos. Com respeito à idade das pessoas, algumas vezes havia erro; mas era retificado na 2ª ou 3ª vez, quando se lhe dizia que o número de golpes não era exato. Muitas vezes, em lugar de responder executa uma marcha.

A linguagem da criança, durante o sono, torna-se, dia a dia, mais perfeita. O que não eram primeiro senão simples palavras, ou ordens muito breves ao batedor, mudam, em seqüência, numa conversação seguida com seus parentes. Assim, um dia ele se entrelinha com sua irmã mais velha, sobre assuntos religiosos e num tom de exortação e de instrução, dizendo-lhe que deveria ir à missa, orar todos os dias, e mostrar submissão e obediência a seu pai e mãe. A noite, retoma os mesmos assuntos de conversa; em seus ensinamentos, nada tinha de teológico, mas, unicamente, noções que se aprendem na escola.

Antes de suas conversas, ouviam-se, pelo menos durante uma hora, golpes e raspadura, não somente durante o sono do menino, mas mesmo quando este estava no estado de vigília. Vimo-lo beber e comer enquanto os golpes e as raspaduras se manifestavam, e vimo-lo também, no estado de vigília, dar ordens ao batedor, que foram todas executadas.

Sábado à noite, 6 de março, tendo o menino de dia, e muito desperto, predito ao seu pai que o batedor apareceria às nove horas, várias pessoas se reuniram na casa de Sanger. Soando as nove horas, quatro pancadas tão violentas foram dadas contra a parede que os assistentes com elas se assustaram. Logo, e pela primeira vez, os golpes foram dados na madeira da cama e exteriormente; toda a cama, com eles, se agitou. Esses golpes se manifestaram por todos os lados da cama, ora em um lugar ora noutro. Os golpes e a raspadura se alternaram na cama. Sob as ordens do rapaz e das pessoas presentes, as pancadas se faziam ouvir, seja no interior da cama, seja no exterior. De repente, a cama se ergue em sentidos diferentes, enquanto as pancadas eram dadas com força. Mais de cinco pessoas tentaram, contudo, em vão, fazer cair a cama erguida; tendo-a, então, abandonado, ela se balança ainda alguns instantes, depois retoma a sua posição natural. Esse fato já ocorrera uma vez anteriormente, nessa manifestação pública.

Cada noite, também, o menino fazia uma espécie de discurso. Disso vamos falar muito sucintamente.

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Antes de tudo, é preciso anotar que, logo que deixava cair sua cabeça, o menino dormia, e os golpes e a raspadura começavam. Aos golpes a criança gemia, agitava suas pernas e parecia não se sentir bem. Não ocorria o mesmo na raspadura. Quando chegava o momento de falar, o rapaz se deitava sobre o dorso, sua feição se tornava pálida, assim como suas mãos e seus braços. Fazia sinal com a mão direita e dizia: “Vamos! vem diante de minha cama e junta as mãos, vou falar-te do Salvador do mundo.” Então os golpes e a raspadura cessavam, e todos os assistentes escutavam, com uma atenção respeitosa, o discurso do dorminhoco.

Ele falava lentamente, muito ininteligivelmente e em puro alemão, o que surpreendia tanto mais quanto o menino era menos adiantado do que os seus colegas em suas aulas, o que provinha, sobretudo, de um mal dos olhos que o impedia de estudar. Suas conversas giravam em torno da vida e das ações de Jesus, desde seu décimo-segundo ano, de sua presença no templo com os escribas, dos seus benefícios para com a Humanidade e dos seus milagres; em seguida, estendia-se no relato dos seus sofrimentos, e criticava severamente os Judeus por terem crucificado Jesus, apesar de suas numerosas bondades e das suas bênçãos.

Terminando, o menino dirigia a Deus uma fervorosa prece, “de lhe conceder a graça de suportar, com resignação, os sofrimentos que lhe enviara, uma vez que havia escolhido entrar em comunicação com o Espírito.” Pedia a Deus para não deixá-lo morrer ainda, pois não era senão uma criança, e que não queria baixar à tumba escura. Terminados seus discursos, recitava com voz solene o Paternoster, depois do que dizia: “Agora podes vir”, e logo os golpes e as raspaduras recomeçavam. Fala ainda duas vezes ao Espírito, e, a cada vez, o Espírito batedor se detinha. Dizia, ainda, algumas palavras e depois: “Agora podes ir em nome de Deus.” E despertava.

Durante as suas conversas, os olhos do menino estavam bem fechados; mas seus lábios se movimentavam; as pessoas que estavam mais próximas do leito, puderam notar esse movimento. A voz era pura e harmoniosa.

Em seu despertar, perguntava-se-lhe o que havia visto e o que se passara. Ele respondia: “O homem que vem me ver. – Onde se acha? – Perto de minha cama com outras pessoas. – Vistes as outras pessoas? – Vi todas as que estavam perto do meu leito.”

Compreender-se-á, facilmente, que semelhantes manifestações encontraram muitos incrédulos, e que se supôs que toda essa história não era senão uma mistificação; mas o pai não era capaz de charlatanice, sobretudo de uma charlatanice que teria exigido toda a habilidade de um prestidigitador profissional; ele gozava da reputação de um bravo e honesto homem.

Para responder a essas suposições e fazê-las cessar, transportou-se o menino para uma casa estranha. Logo que ali chegou, os golpes e as arranhaduras se fizeram ouvir. Além do mais, alguns dias antes, o menino tinha ido com sua mãe a uma pequena vila chamada Capelle, a cerca de meia légua dali, na casa da viúva Klein; disse que estava cansado; deitam-no em um canapé e logo o mesmo fenômeno ocorreu. Várias testemunhas podem afirmar o fato. Se bem que o menino parecia passar bem de saúde, não obstante deveria estar afetado por alguma doença, que seria provada senão pelas manifestações relatadas acima, pelo menos pelos movimentos involuntários dos músculos e os sobressaltos nervosos.

Faremos notar, terminando, que o menino foi conduzido, há algumas semanas, à casa do doutor Beutner, onde deveria permanecer, para que esse sábio pudesse estudar, mais de perto, os fenômenos em questão. Desde então, todo ruído cessou na casa de Sanger e se produziu na do doutor Beutner.

Tais são, em toda a sua autenticidade, os fatos que se passaram. Entregamo-los ao público sem emitir julgamento. Possam os homens da arte dar-lhes, em breve, uma explicação satisfatória.

blanck.

Teoria das Manifestações Físicas

Revista Espírita, maio de 1858

A influência moral dos Espíritos, as relações que podem ter com a nossa alma, ou o Espírito encarnado em nós, se concebem facilmente. Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam se comunicar pelo pensamento, que é um dos seus atributos, sem auxílio dos órgãos da palavra; mas o que é mais difícil de compreender são os efeitos materiais que podem produzir, tais como os ruídos, o movimento dos corpos sólidos, as aparições e, sobretudo, as aparições tangíveis. Vamos ensaiar dar-lhes a explicação, segundo os próprios Espíritos, e segundo a observação dos fatos.

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A ideia que se forma da natureza dos Espíritos toma, à primeira vista, esses fenômenos incompreensíveis. O Espírito, diz-se, é a ausência de toda matéria, portanto, não pode agir materialmente; ora, aí está o erro. Os Espíritos, interrogados sobre a questão de se saber se são imateriais, responderam isto: “Imaterial não é a palavra, porque o Espírito é alguma coisa, de outro modo seria o nada. É, se o quereis, da matéria, mas uma matéria de tal modo etérea, que é, para vós, como se não existisse.” Assim, o Espírito não é, como alguns o creem, uma abstração, é um ser, mas cuja natureza íntima escapa aos nossos sentidos grosseiros.

Esse Espírito encarnado no corpo constitui a alma; quando o deixa, na morte, não sai despojado de todo o envoltório. Todos nos dizem que conservam a forma que tinham quando vivos, e, com efeito, quando nos aparecem, geralmente, é sob a que nós os conhecemos.

Observemo-los, atentamente, no momento em que acabam de deixar a vida; estão num estado de perturbação; tudo é confuso aredor deles; vêem seu corpo são ou mutilado, segundo o gênero de morte; por outro lado, se vêem e se sentem viver; alguma coisa lhes diz que esse corpo é o seu, e não compreendem que dele estejam separados: o laço que os unia não está, pois, ainda, inteiramente rompido.

Uma vez dissipado esse primeiro momento de perturbação, o corpo se toma para eles uma roupa velha, da qual se despojaram e que não lamentam, mas continuam a se ver sob a sua forma primitiva; ora, isto não é um sistema: é o resultado de observações feitas sobre inumeráveis sujeitos. Que se deseje, agora, referir-se ao que contamos de certas manifestações produzidas pelo senhor Home e outros médiuns desse gênero: mãos aparecem, que têm todas as propriedades de mãos vivas, que são tocadas, que vos agarram, e que, de repente, se esvanecem. Que devemos disso concluir? É que a alma não deixa tudo na sepultura e que leva alguma coisa consigo.

Haveria, assim, em nós, duas espécies de matéria: uma grosseira, que constitui o envoltório exterior, outra sutil e indestrutível. A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, da que a alma abandona; a outra se libera e segue a alma que acha, desse modo, ter sempre um envoltório; é o que chamamos perispírito. Essa matéria sutil, extraída, por assim dizer, de todas as partes do corpo ao qual estava ligada durante a vida, dele conserva a impressão; ora, eis por que os Espíritos se vêem e por que nos aparecem tais quais eram quando vivos. Mas essa matéria sutil não tem a tenacidade, nem a rigidez da matéria compacta do corpo; ela é, se assim podemos nos expressar, flexível e expansível; por isso a forma que toma, se bem que calcada sobre a do corpo, não é absoluta; ela se dobra à vontade do Espírito, que pode dar-lhe tal ou tal aparência, à sua vontade, ao passo que o envoltório sólido oferece-lhe uma resistência intransponível; desembaraçado desse entrave que o comprimia, o perispírito se estende ou se retrai, se transforma, em uma palavra, se presta a todas as metamorfoses, segundo a vontade que age sobre ele.

A observação prova – e insistimos nessa palavra observação, porque toda a nossa teoria é a conseqüência de fatos estudados, que a matéria sutil, que constitui o segundo envoltório do Espírito, não se liberta senão pouco a pouco, e não instantaneamente, do corpo. Assim, os laços que unem a alma e o corpo não são subitamente rompidos pela morte; ora, o estado de perturbação que observamos, subsiste durante todo o tempo em que se opera o desligamento; o Espírito não recobra a inteira liberdade de suas faculdades e a consciência clara de si mesmo, senão quando seu desligamento se completa.

A experiência prova, ainda, que a duração desse desligamento varia segundo os indivíduos. Em alguns se opera em três ou quatro dias, ao passo que, em outros, não está inteiramente realizada ao cabo de vários meses. Assim, a destruição do corpo, a decomposição pútrida, não bastam para operar a separação; por isso, certos Espíritos dizem: Sinto que os vermes me roem.

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Em algumas pessoas, a separação começa antes da morte; são as que, em vida, se elevaram, pelo pensamento e a pureza de seus sentimentos, acima das coisas materiais; a morte não acha mais do que fracos laços entre a alma e o corpo, e esses laços se rompem quase instantaneamente. Quanto mais o homem viveu materialmente, quanto mais absorveu seus pensamentos nos gozos e nas preocupações da personalidade, tanto mais esses laços são tenazes; parece que a matéria sutil esteja identificada com a matéria compacta, e que haja entre elas coesão molecular; eis por que elas não se separam senão lenta e dificilmente.

Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda há união entre o corpo e o perispírito, este conserva bem melhor a impressão da forma material, da qual reflete, por assim dizer, todas as nuanças, e mesmo todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos disse poucos dias depois de sua execução: Se pudésseis me ver, ver-me-íeis com a cabeça separada do tronco. Um homem que morrera assassinado nos disse: Vede a chaga que se me fez no coração. Acreditava que poderíamos vê-lo.

Essas considerações nos conduzirão a examinar a interessante questão da sensação dos Espíritos e de seus sofrimentos; fá-lo-emos em um outro artigo, querendo nos limitar aqui ao estudo das manifestações físicas.

Representemo-nos, pois, o Espírito revestido de seu envoltório semi-material ou perispírito, tendo a forma ou aparência que tinha quando vivo. Alguns se servem mesmo dessa expressão para se designarem; dizem: Minha aparência está em tal lugar. Evidentemente, estão aí os manes dos Antigos. A matéria desse envoltório é bastante sutil para escapar à nossa visão em seu estado normal; mas não é, por isso, absolutamente invisível. Nós a vemos, primeiro, pelos olhos da alma, nas visões que se produzem durante os sonhos; mas não é disso que vamos nos ocupar. Pode ocorrer, nessa matéria etérea, tal modificação, o Espírito, ele mesmo, pode fazê-la sofrer uma espécie de condensação, que a toma perceptível aos olhos do corpo; é o que ocorre nas aparições vaporosas. A sutileza dessa matéria lhe permite atravessar corpos sólidos; eis por que essas aparições não encontram obstáculos, e por que se esvanecem, freqüentemente, através das paredes.

A condensação pode chegar ao ponto de produzir a resistência e a tangibilidade; é o caso das mãos que são vistas e que são tocadas; mas essa condensação (é a única palavra da qual pudemos nos servir para exprimir nosso pensamento, embora a expressão não seja perfeitamente exata), essa condensação, dizíamos, ou melhor, essa solidificação da matéria etérea, não estando no seu estado normal, não é senão temporária ou acidental; eis por que essas aparições tangíveis, num dado momento, nos escapam como uma sombra. Assim, do mesmo modo que vemos um corpo se nos apresentar no estado sólido, líquido ou gasoso, segundo seu grau de condensação, de igual modo a matéria etérea do perispírito pode apresentar-se-nos no estado sólido, vaporoso visível ou vaporoso invisível. Veremos, a seguir, como se opera essa modificação.

A mão, aparentemente tangível, oferece uma resistência; exerce uma pressão; deixa marcas, opera uma tração sobre os objetos que temos; há nela, pois, uma força. Ora, esses fatos, que não são hipóteses, podem nos colocar no caminho das manifestações físicas.

Anotemos, primeiro, que essa mão obedece a uma inteligência, uma vez que age espontaneamente, que dá sinais inequívocos de vontade, e que obedece ao pensamento; pertence, pois, a um ser completo, que não nos mostra senão essa parte dele mesmo, e o que o prova, é que causa impressão com as partes invisíveis, que os dentes deixaram a impressão sobre a pele e fizeram sentir dor.

Entre as diferentes manifestações, uma das mais interessantes, sem contradita, é a do toque espontâneo de instrumentos de música. Os pianos e os acordeons parecem ser, para esse efeito, os instrumentos prediletos. O fenômeno se explica muito naturalmente por aquilo que precede. A mão que tem a força para agarrar um objeto pode muito bem ter a de se apoiar sobre as teclas para fazê-las ressoar, aliás, viram-se várias vezes os dedos da mão em ação, e quando não se vê a mão, vêem-se as teclas se agitarem e o fole se abrir e fechar. Essas teclas não podem estar sendo movidas senão por mão invisível, a qual dá prova de inteligência fazendo ouvir, não sons incoerentes, mas músicas perfeitamente ritmadas.

Uma vez que essa mão pode nos cravar as unhas na carne, nos beliscar, nos arrancar o que está em nossos dedos; uma vez que a vemos agarrar e transportar um objeto como nós mesmos o faríamos» ela pode muito bem dar golpes, erguer e virar uma mesa, agitar uma campainha, puxar cortinas, até mesmo dar uma bofetada oculta.

Perguntar-se-á, sem dúvida, como essa mão pode ter a mesma força no estado vaporoso invisível quanto no estado tangível. E por que não? Vemos o ar que tomba edifícios, o gás que lança um projétil, a eletricidade que transmite sinais, o fluido do Imã que ergue as massas? Por que a matéria etérea do perispírito seria menos possante? Mas não vamos querer submetê-la às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas; não vamos, sobretudo, porque tomamos o gás por termo de comparação, supor-lhe propriedades idênticas e calcular essa força como calculamos a do vapor. Até o presente, ela escapa a todos os nossos instrumentos; é uma nova ordem de idéias que não resulta de ciências exatas; eis por que essas ciências não dão aptidão especial para apreciá-las.

Não damos essa teoria do movimento dos corpos sólidos, sob a influência dos Espíritos, senão para mostrar a questão sob todos os seus aspectos, e provar que, sem sair muito das idéias recebidas, pode-se conhecer a ação dos Espíritos sobre a matéria inerte; mas há uma outra, de alta importância filosófica, dada pelos próprios Espíritos, e que lança sobre essa questão uma luz inteiramente nova; será compreendida melhor depois de a termos lido; aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de poder comparar.

Resta agora, pois, explicar como se opera essa modificação da substância etérea do perispírito; por qual procedimento o Espírito opera, e, como conseqüência, o papel do médiuns na influência física para a produção desses fenômenos; o que se passa com eles, nessa circunstância, a causa e a natureza da sua faculdade, etc. É o que faremos num próximo artigo

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Variedades – Calúnias contra o senhor Home

Revista Espírita, abril de 1858

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A malevolência, em certos indivíduos, não conhece limites; a calúnia tem sempre que vir para quem se eleve acima da multidão. Os adversários do senhor Home acharam a arma do ridículo muito fraca; deveria, com efeito, se enfraquecer contra os nomes honoráveis que o cobrem com a sua proteção. Não podendo, pois, fazer rir às suas custas, quiseram denegrilo. Difundiu-se o boato, adivinha-se com qual objetivo, e as más línguas a repetir, que o senhor Home não havia partido para a Itália, como se havia anunciado, mas que estava oculto em Mazas sob o peso das mais graves acusações, que se lhe formulam em chistes, dos quais os desocupados e os amadores do escândalo estão sempre ávidos. Podemos afirmar que não há uma palavra de verdade em todas essas maquinações infernais. Temos, sob os olhos, várias cartas do senhor Home, datadas de Piza, de Roma, e de Nápoles, onde está neste momento.e estamos prontos para darmos a prova do que afirmamos. Os Espíritos têm muita razão em dizerem que os verdadeiros demônios estão entre os homens.

Lê-se num jornal: “Segundo a Gazette dês Hôpitaux, contam-se, neste momento, no hospital de alienados de Zurique, 25 pessoas que perderam a razão graças às mesas girantes e aos Espíritos batedores.”

Perguntaremos, primeiro, se está bem averiguado que esses 25 alienados devem toda a perda da sua razão aos Espíritos batedores, o que é, pelo menos, contestável, até haver prova autêntica. Supondo que esses estranhos fenômenos hajam podido impressionar, deploravelmente, certos caracteres fracos, perguntaremos, por outro lado, se o medo do diabo não fez mais loucos do que a crença nos Espíritos. Ora, como não se impedirá, aos Espíritos, de baterem, o perigo está na crença de que todos os que se manifestam são demônios. Afastada essa idéia, fazendo conhecer a verdade, disso não se terá mais medo do que aos fogos fátuos; a idéia de se estar assediado pelo diabo está bem feita para perturbar a razão. Eis, de resto, a contrapartida do artigo acima: “Existe um curioso documento estatístico, de funestas conseqüências, de que encanta, ao povo inglês, o hábito da intemperança e de bebidas fortes. Sobre 100 indivíduos admitidos no hospício de loucos de Hamwel, há 72 cuja alienação mental deve ser atribuída à embriaguez.”

O Senhor Home

Revista Espírita, abril de 1858

(Terceiro artigo. – Ver os números de fevereiro e março de 1858.)

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Não é do nosso conhecimento que o senhor Home haja feito aparecer, pelo menos visível para todo o mundo, outras partes do corpo senão as mãos. Cita-se, todavia, um general morto na Criméia, que teria aparecido, à sua viúva, visível só para ela; mas não estivemos no caso de constatar a realidade do fato em que se refere, sobretudo, à intervenção do senhor Home, nessa circunstância. Limitamo-nos àquilo que podemos afirmar. Por que as mãos antes que os pés ou uma cabeça? É o que ignoramos, e o que ele mesmo ignora. Os Espíritos, interrogados a esse respeito, responderam que outros médiuns poderiam fazer aparecer a totalidade do corpo; de resto, não está aí o ponto mais importante; se apenas as mãos aparecerem, as outras partes do corpo não serão menos patentes, como se verá dentro em pouco.

A aparição de mão se manifesta, geralmente, em primeiro lugar, sobre a toalha da mesa, por ondulações que produz, percorrendo toda a superfície; depois, se mostra sobre a borda da toalha que ergue; algumas vezes,, vem se colocar sobre a toalha, no meio da própria mesa; freqüentemente, toma um objeto que coloca debaixo.

Essa mão, visível para todo o mundo, não é vaporosa, nem translúcida; tem a cor e a opacidade naturais; no punho, termina pelo vago. Se é tocada com precaução, confiança e sem preconceito hostil, ela oferece a resistência, a solidez e a impressão de mão viva; seu calor é suave, úmido, e comparável ao de um pombo morto há cerca de meia hora. Não é inerte, porque se agita, se presta aos movimentos que se lhe imprimem, ou resiste, vos acaricia ou vos aperta. Se, ao contrário, quereis tomá-la bruscamente e de surpresa, não tocais senão o vazio. Uma testemunha ocular nos contou o fato seguinte, que lhe é pessoal. Ele tinha, entre os seus dedos, uma campainha de mesa; uma mão, primeiro invisível, depois perfeitamente aparente, veio tomá-la, fazendo esforços para a arrancar; não podendo conseguir, passa por cima para fazê-la escorregar; o esforço de tração era tão sensível como se fora mão humana; tendo querido tomar vivamente essa mão, a sua não encontra senão o ar; tendo afastado os dedos, a campainha fica suspensa no espaço e vem, lentamente, pousar no assoalho.

Algumas vezes há várias mãos. A mesma testemunha nos relatou o fato seguinte. Várias pessoas estavam reunidas ao redor de uma dessas mesas de sala de jantar que se separam em duas. Golpes são dados; a mesa se agita, se abre por si mesma, e, através da fenda, aparecem três mãos, uma de tamanho natural, outra muito grande, e uma terceira toda velada; se tocadas, se apalpadas, vos apertam, depois se esvanecem. Na casa de um dos nossos amigos, que tinha perdido uma criança em tenra idade, foi a mão de uma criança recém-nascida que apareceu; todo mundo pôde vê-la e tocá-la; essa criança se coloca sobre sua mãe, que sente, distintamente, a impressão de todo o corpo sobre seus joelhos.

Freqüentemente, a mão vem pousar sobre vós, a vedes, ou, se não a vedes, sentis a pressão dos dedos; algumas vezes, vos acaricia, de outras vezes vos belisca até causar dor. O senhor Home, em presença de várias pessoas, sentiu assim agarrar o punho, e os assistentes puderam ver a pele puxada. Um instante depois, sentiu morder, e a marca da impressão de dois dentes foi visivelmente assinalada durante mais de uma hora.

A mão que aparece pode também escrever. Algumas vezes, se coloca no meio da mesa, toma o lápis e traça alguns caracteres sobre o papel colocado para esse fim. O mais freqüentemente, leva o papel para sob a mesa e o traz todo escrito. Se a mão se mantém invisível, a escrita parece produzir-se toda sozinha. Obtém-se, por esse meio, resposta a diversas perguntas que se lhe podem dirigir.

Um outro gênero de manifestações, não menos notável, mas que se explica pelo que acabamos de dizer, é o de instrumentos de música tocando sozinhos. Comumente, são pianos ou acordeons. Nessa circunstância, vêem-se distintamente as teclas se agitarem e o fole se mover. A mão que toca é ora visível, ora invisível; a música que se faz ouvir, pode ser uma música conhecida, executada a pedido que se lhe faça. Se o artista invisível é deixado por si mesmo, produz acordes harmoniosos, cujo conjunto lembra a vaga e a suave melodia da harpa eólica. Na casa de um dos nossos assinantes, onde esses fenômenos se produziram muitas vezes, o Espírito, que assim se manifestava, era o de um jovem morto desde há algum tempo e amigo da família, e que, quando vivo, tinha um notável talento como músico; a natureza das músicas que fazia ouvir de preferência, não poderia deixar nenhuma dúvida quanto à sua identidade, para as pessoas que o haviam conhecido.

O fato mais extraordinário, nesse gênero de manifestações, não é, no nosso entender, o da aparição. Se essa aparição fosse sempre aeriforme, concordaria com a natureza etérea que atribuímos aos Espíritos; ora, nada se oporia a que essa matéria etérea se tornasse perceptível, à nossa visão, por uma espécie de condensação, sem perder sua propriedade vaporosa. O que há de mais estranho é a solidificação dessa mesma matéria, bastante resistente para deixar uma impressão visível sobre os nossos órgãos. Daremos, no próximo número, a explicação desse singular fenômeno conforme o ensinamento dos próprios Espíritos. Hoje, limitar-nos-emos em dele deduzir uma conseqüência relativa ao toque espontâneo dos instrumentos de música. Com efeito, desde que a tangibilidade temporária dessa matéria etérea é um fato adquirido, que nesse estado uma mão, aparente ou não, oferece bastante resistência para fazer uma pressão sobre os corpos sólidos, não há nada de espantoso em que possa exercer uma pressão suficiente para fazer mover as teclas de um instrumento. De outra parte, fatos não menos positivos provam que essa mão pertence a um ser inteligente; nada tem de espantoso que essa inteligência se manifeste por sons musicais, como pode fazê-lo pela escrita ou pelo desenho. Uma vez se entrando nessa ordem de idéias, as pancadas, o movimento dos objetos e todos os fenômenos espíritas de ordem material se explicam muito naturalmente.

Conversas Familiares de Além-Túmulo, DESCRIÇÃO DE JÚPITER

Revista Espírita, abril de 1858

DESCRIÇÃO DE JÚPITER

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nota. – Sabíamos, por evocações anteriores, que Bernard Palissy, o célebre oleiro do sexto século, habita Júpiter. As respostas seguintes confirmam, em todos os pontos, o que nos foi dito, sobre esse planeta, em diversas épocas, por outros Espíritos, e por intermédio de diferentes médiuns. Pensamos que serão lidas com interesse, como complemento do quadro que traçamos em nosso último número. A identidade que elas apresentam com as descrições anteriores, é um fato notável que é, pelo menos, uma presunção de exatidão.

1. Onde te encontraste, deixando a Terra? – R. Nela ainda habitei.

2. Em que condições estavas? – R. Sob os traços de uma mulher, amante e devotada; não era senão uma missão.

3. Essa missão durou muito tempo? – R. Trinta anos.

4. Lembras do nome dessa mulher? – R. É obscuro.

5. A estima que se tem por tuas obras, te satisfaz, e isso compensa os sofrimentos que suportaste? – R. Que me importam as obras materiais de minhas mãos! O que me importa é o sofrimento que me elevou.

6. Com qual objetivo traçaste, pela mão do senhor Victorien Sardou, os admiráveis desenhos que nos deste sobre o planeta Júpiter, que tu habitas? – R. Com o objetivo de inspirar o desejo de vos tornardes melhores.

7. Uma vez que voltas sempre sobre a nossa Terra, que habitaste diversas vezes, deves conhecer bastante o seu estado físico e moral para estabelecer uma comparação entre ela e Júpiter; rogamos, pois, consentir em nos esclarecer sobre diversos pontos. – R. Sobre vosso globo, não venho senão em Espírito; o Espírito não tem mais sensações materiais.

ESTADO FÍSICO DO GLOBO

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8. Pode-se comparar a temperatura de Júpiter com a de uma de nossas latitudes? – R. Não; ela é branda e temperada; sempre igual, e a vossa varia. Lembrai-vos os campos Elysées que vos foi descrito.

9. O quadro que os Antigos nos deram dos campos Elysées seria o resultado do conhecimento intuitivo que tinham de um mundo superior, tal qual Júpiter, por exemplo? – R. Do conhecimento positivo; a evocação permaneceu nas mãos dos sacerdotes.

10. A temperatura varia segundo as latitudes, como aqui? – R. Não.

11. Segundo os nossos cálculos, o Sol deve aparecer aos habitantes de Júpiter sob um ângulo muito pequeno, e dar-lhe, por conseqüência, pouca luz. Podes nos dizer se a intensidade da luz é igual a da Terra, ou se é menos forte? — R. Júpiter está cercado de uma espécie de luz espiritual, em relação com a essência dos seus habitantes. A luz grosseira do vosso Sol não foi feita para eles.

12. Há uma atmosfera? – R. Sim.

13. A atmosfera é formada dos mesmos elementos da atmosfera terrestre? – R. Não; os homens não são os mesmos; suas necessidades mudaram.

14. Há água e mares? – R. Sim.

15. A água é formada dos mesmos elementos da nossa? – R. Mais etéreos.

16. Há vulcões? – R. Não; nosso globo não é atormentado como o vosso; a natureza não teve suas grandes crises; é uma morada de bem-aventurados. A matéria nele mal se toca.

17. As plantas têm analogia com as nossas? – R. Sim, porém mais belas.

ESTADO FÍSICO DOS HABITANTES

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18. A conformação do corpo dos habitantes tem relação com a nossa? – R. Sim, é a mesma.

19. Podes nos dar uma idéia do seu talhe, comparado ao dos habitantes da Terra? – R. Grandes e bem proporcionados. Maiores do que os maiores dos vossos homens. O corpo do homem é como a marca do seu espírito: belo onde ele é bom; o envoltório é digno dele; não é mais uma prisão.

20. Os corpos ali são opacos, diáfanos ou translúcidos? – R. Há de uns e de outros. Uns têm tal propriedade, os outros tal outra, segundo sua destinação.

21. Concebemos isso para os corpos inertes, mas nossa questão é relativa aos corpos humanos. – R. O corpo envolve o Espírito sem escondê-lo, como um véu leve lançado sobre uma estátua. Nos mundos inferiores, o envoltório grosseiro oculta o Espírito aos seus semelhantes; mas os bons nada têm a esconder: podem ler no coração uns dos outros. Que seria isso se fosse assim nesse mundo!

22. Há sexos diferentes? – R. Sim; há por toda parte onde a matéria exista; é uma lei da matéria.

23. Qual é a base da alimentação dos habitantes? É animal e vegetal como aqui? – R.
Puramente vegetal; o homem é o protetor dos animais.

24. Foi-nos dito que haurem uma parte da sua alimentação no meio ambiente, do qual aspiram as emanações; isso é exato? – R. Sim.

25. A duração da vida, comparada à nossa, é mais longa ou mais curta? – R. Mais longa.

26. De quanto tempo é a vida média? – R. Como medir o tempo?

27. Não podes tomar um dos nossos séculos por termo de comparação? – R. Creio que em torno de cinco séculos.

28. O desenvolvimento da infância é proporcionalmente mais rápido do que entre nós? – R. O homem conserva a sua superioridade; a infância não comprime a sua inteligência, a velhice não a extingue.

29. Os homens estão sujeitos a doenças? – R. Não estão sujeitos aos vossos males.

30. A vida se divide entre a vigília e o sono? – R. Entre a ação e o repouso.

31. Poderias nos dar uma idéia das diversas ocupações dos homens? – R. Seria preciso dizer muito. Sua principal ocupação é encorajar os Espíritos que habitam os mundos inferiores a perseverarem no bom caminho. Não tendo infortúnio a aliviar entre eles, vão procurar onde se sofre; são os bons Espíritos que vos sustentam e vos atraem ao bom caminho.

32. Ali se cultivam certas artes? – R. São inúteis. Vossas artes são futilidades que distraem vossas dores.

33. A densidade específica do corpo do homem, lhe permite transportar-se, de um lugar ao outro, sem permanecer, como aqui, atado ao solo? – R. Sim.

34. Experimenta-se o dissabor e o desgosto da vida? – R. Não; o desgosto da vida não vem senão do desprezo de si mesmo.

35. Sendo os corpos dos habitantes de Júpiter menos densos do que os nossos, são formado de matéria compactada e condensada ou vaporosa? – R. Compacta para nós; mas para vós ela não o seria; é menos condensada.

36. O corpo, considerado como forma de matéria, é impenetrável? – R. Sim.

37. Os habitantes têm uma linguagem articulada como nós? -R. Não; há, entre eles, comunicação de pensamentos.

38. A segunda vista é, como se nos disse, uma faculdade normal e permanente entre vós? – R. Sim; o Espírito não tem mais entraves; nada está oculto para ele.

39. Se nada está oculto para o Espírito, conhece, pois, o futuro? (queremos falar dos Espíritos encarnados em Júpiter) – R. O conhecimento do futuro depende da perfeição do Espírito; tem menos inconvenientes para nós do que para vós; é-nos mesmo necessário, até um certo ponto, para o cumprimento de missões que temos a cumprir; mas dizer que conhecemos o futuro sem restrições, seria nos colocar na mesma posição que Deus.

40. Podeis revelar tudo o que sabeis do futuro? – R. Não; esperai até que tenhais merecido sabê-lo.

41. Comunicai-vos mais facilmente do que nós com os outros Espíritos? – R. Sim! sempre: a matéria não está mais entre eles e nós.

42. A morte inspira o horror e o pavor que causa entre nós? – R. Por que seria ela apavorante? O mal não existe mais entre nós. Só o mau vê o seu último momento com pavor; ele teme seu juiz.

43. Em que se tomam os habitantes de Júpiter depois da morte? – R. Crescem sempre em perfeição sem mais suportar provas.

44. Não há, em Júpiter, Espíritos que se submetem a provas para cumprirem uma missão? – R. Sim, mas isso não é mais uma prova; só o amor ao bem leva-os a sofrer.

45. Podem falir em sua missão? – R. Não, uma vez que são bons; não há fraqueza senão onde há defeito.

46. Poderias nomear-nos alguns Espíritos, habitantes de Júpiter, que cumpriram uma grande missão na Terra? – R. São Luís.

47. Poderias nomear-nos outros? – R. Que vos importa! Há missões desconhecidas que não têm por objetivo senão a felicidade de um só; estas são, por vezes, maiores: são as mais dolorosas.

OS ANIMAIS

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48. Os corpos dos animais são mais materiais do que os dos homens? – R. Sim; o homem é o rei, o deus terrestre.

49. Entre os animais há os carniceiros? – R. Os animais não se despedaçam entre si; todos vivem submissos ao homem, amando-se mutuamente.

50. Mas há animais que escapam à ação do homem, como os insetos, os peixes, os pássaros? – R. Não; todos lhe são úteis.

51. Foi-nos dito que os animais são os servidores e operários que executam os trabalhos materiais, construindo as casas, etc.; isso é verdade? – R. Sim; o homem não se rebaixa mais servindo seu semelhante.

52. Os animais servidores são ligados a uma pessoa ou a uma família, ou são tomados e trocados à vontade, como aqui? -R. Todos são ligados a uma família particular; mudais por achar melhor.

53. Os animais servidores, ali, estão num estado de escravidão ou de liberdade; são uma propriedade, ou podem mudar de senhor à vontade? – R. Estão no estado de submissão.

54. Os animais trabalhadores recebem uma remuneração qualquer por seus esforços? – R. Não.

55. Desenvolvem-se as faculdades dos animais por uma espécie de educação? – R. Eles o fazem por si mesmos.

56. Os animais têm uma linguagem mais precisa e mais caracterizada do que a dos animais terrestres? – R. Certamente.

ESTADO MORAL DOS HABITANTES

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57. As casas, das quais nos deste uma amostra por seus desenhos, estão reunidas em cidades, como aqui? – R. Sim; os que se amam se reúnem; só as paixões fazem solidão ao redor do homem. Se o homem, ainda que mau, procura seu semelhante, que não é para ele senão um instrumento de dor, por que o homem puro e virtuoso fugiria do seu irmão?

58. Os Espíritos são iguais ou de diferentes graus? – R. De diferentes graus, mas de uma mesma ordem.

59. Rogamos consentir reportar-te à escala espírita que demos no segundo número da Revista, e nos dizer a qual ordem pertencem os Espíritos encarnados em Júpiter? – R. Todos bons, todos superiores; o bem desce, algumas vezes, no mal; mas o mal jamais se mistura ao bem.

60. Os habitantes formam diferentes povos, como na Terra? -R. Sim; mas todos unidos entre si por laços de amor.

61. Assim sendo, as guerras ali são desconhecidas? – R. Pergunta inútil.

62. O homem poderá chegar, na Terra, a um bastante grande grau de perfeição, para absterse de guerras? – R. Seguramente chegará; a guerra desaparece com o egoísmo dos povos e à medida que compreendem melhor a fraternidade.

63. Os povos são governados por chefes? – R. Sim.

64. Em que consiste a autoridade dos chefes? – R. No grau superior de perfeição.

65. Em que consistem a superioridade e a inferioridade dos Espíritos em Júpiter, uma vez que são todos bons? – R. Têm mais ou menos de conhecimentos e de experiência; se depuram em se esclarecendo.

66. Há, como na Terra, povos mais avançados do que os outros? – R. Não; mas nos povos há
diferentes graus.

67. Se o povo mais avançado da Terra se visse transportado para Júpiter, que categoria nele ocuparia? – R. A classe dos macacos entre vós.

68. Os povos são governados por leis? – R. Sim.

69. Há leis penais? – R. Não há mais crime.

70. Quem faz as leis? – R. Deus as fez.

71. Há ricos e pobres, quer dizer, homens que têm abundância e o supérfluo, e outros a quem falta o necessário? – R. Não; todos são irmãos; se um tiver mais do que outro, ele partilhará; mas não se alegraria quando seu irmão desejasse.

72. Segundo isso, as fortunas ali seriam iguais para todos? – R. Eu não disse que todos eram ricos no mesmo grau; perguntastes se há os que têm o supérfluo e outros a quem falta o necessário.

73. Essas duas respostas nos parecem contraditórias; rogamos concordá-las. – R. A ninguém falta o necessário; ninguém tem o supérfluo, quer dizer que a fortuna de cada um está em relação com a sua condição. Estais satisfeitos?

74. Compreendemos agora; mas perguntaremos, ainda, se aquele que tem o menos não é infeliz relativamente àquele que tem o mais? – R. Não pode ser infeliz, desde que não é nem invejoso, nem ciumento. A inveja e o ciúme fazem mais infelizes do que a miséria.

75. Em que consiste a riqueza em Júpiter? – R. Que vos importa!

76. Há desigualdades de posições sociais? – R. Sim.

77. Em que são fundadas? – R. Nas leis da sociedade. Uns são mais ou menos avançados na perfeição. Aqueles que são superiores têm, sobre os outros, uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos.

78. Desenvolvem-se as faculdades do homem pela educação? – R. Sim.

79. O homem pode adquirir bastante perfeição na Terra, para merecer passar imediatamente para Júpiter? – R. Sim, mas o homem, na Terra, está submetido a imperfeições para que esteja em relação com seus semelhantes.

80. Quando um Espírito que deixa a Terra deve ser reencarnado em Júpiter, fica errante durante algum tempo antes de ter achado o corpo ao qual deve se unir? – R. Fica durante um certo tempo, até que esteja liberto de suas imperfeições terrestres.

81. Há várias religiões? – R. Não; todos professam o bem, e todos adoram um único Deus.

82. Há templos e um culto? – R. Por templo há o coração do homem; por culto o bem que ele faz.

Evocação dos Espíritos na Abssínia

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Revista Espírita, abril de 1858

James Bruce, em seu Voyage aux sources du Nil, em 1768, conta o que segue a respeito de Gingiro, pequeno reino situado na parte meridional da Abissínia, a leste do reino de Adel. Trata-se de dois embaixadores que Socinios, rei da Abissínia, envia ao papa, por volta de 1625, e que deviam atravessar o Gingiro.

“Foi, então, necessário, diz Bruce, advertir o rei de Gingiro da chegada da caravana e lhe pedir audiência; mas ele se encontrava, nesse momento, ocupado com uma operação de magia, sem a qual esse soberano não ousa jamais começar nada.

“O reino de Gingiro pode ser considerado como o primeiro, dessa parte da África, onde foi estabelecida a estranha prática de predizer o futuro pela evocação de Espíritos, e por uma comunicação direta com o diabo.

“O rei de Gingiro acha que devia deixar decorrer oito dias antes de admitir, em audiência, o embaixador e seu acompanhante, o jesuíta Fernandez. Em conseqüência, no nono dia, estes receberam a permissão de irem à corte, onde chegam na mesma tarde.

“Nada se faz, no país de Gingiro, sem o socorro da magia. Vê-se, por aí, o quanto a razão humana se encontra degradada, a algumas léguas de distância. Que não venham mais nos dizer que se deve atribuir essa fraqueza à ignorância ou ao calor do clima. Por que um clima quente induziria os homens a se tornarem mágicos antes que não o faria um clima frio? Por que a ignorância aumentaria o poder do homem ao ponto de fazê-lo transpor os limites da inteligência comum, e lhe dar a faculdade de corresponder com uma nova ordem de seres, habitantes de um outro mundo? Os Etíopes, que cercam quase toda a Abissínia, são mais negros do que os Gingiranos; seu país é mais quente, e são, como eles, indígenas no lugar que habitam desde o começo dos séculos; entretanto, não adoram o diabo, nem pretendem ter nenhuma comunicação com ele; não sacrificam homens em seus altares; enfim, não se encontra, entre eles, nenhum traço dessa revoltante atrocidade.

“Nas partes da África que têm uma comunicação aberta com o mar, o comércio de escravos é um uso desde os mais recuados séculos; mas o rei de Gingiro, cujos Estados se acham situados quase no centro do continente, sacrifica ao diabo os escravos que não pode vender ao homem. É aí que começa esse horrível costume de derramar o sangue humano em todas as solenidades. Ignoro, disse o senhor Bruce, até onde se estende no meio da África, mas olho Gingiro como o limite geográfico do reino do diabo do canto setentrional da Península.”

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Se o senhor Bruce tivesse visto isso do qual somos testemunhas hoje, não acharia nada espantoso na prática de evocações em uso em Gingiro. Não vê senão uma crença supersticiosa, ao passo que nós nisso encontramos a causa de fatos de manifestações, falsamente interpretadas, que puderam se produzir lá como alhures. O papel que a credulidade fez o diabo desempenhar aqui, nada tem de surpreendente. Primeiro, há que se anotar que, todos os povos bárbaros atribuem, à uma força malfazeja, os fenômenos que não podem explicar. Em segundo lugar, um povo bastante atrasado para sacrificar seres humanos, não pode muito atrair para si Espíritos superiores. A natureza dos que o visitam não pode, pois, senão confirmá-lo em sua crença. É preciso considerar, por outro lado, que os povos dessa parte da África conservaram um grande número de tradições judaicas misturadas, mais tarde, com algumas idéias informes do Cristianismo, fonte da qual, em conseqüência da sua ignorância, não hauriram senão a doutrina do diabo e dos demônios.

DEUS E O UNIVERSO OS TRÊS CÍRCULOS

DEUS E O UNIVERSO

Revista Espírita Abril de 1858

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  • – Há três unidades primitivas e, de cada uma delas, não poderia existir senão uma: um Deus, uma verdade e um ponto de liberdade, isto é, o ponto onde se encontra o equilíbrio de toda oposição.

 

  • – Três coisas procedem das três unidades primitivas: toda vida, todo bem e todo poder

 

  • – Deus é necessariamente três coisas, a saber: a maior parte da vida, a maior parte da ciência e a maior parte do poder; e não poderia haver uma maior parte de cada

 

  • – Três coisas que Deus não pode deixar de ser: o que deve constituir o bem perfeito, o que deve querer o bem perfeito e o que deve realizar o bem perfeito;
  • – Três garantias do que Deus faz e fará: seu poder infinito, sua sabedoria infinita, seu amor infinito; porquanto nada há que não possa ser efetuado, que não possa tornar-se verdadeiro e que não possa ser desejado por um
  • – Três fins principais da obra de Deus, como Criador de todas as coisas: diminuir o mal, reforçar o bem e pôr em evidência toda diferença; de modo que se possa saber o que deve ser ou, ao contrário, o que não deve
  • – Três coisas que Deus não pode deixar de conceder: o que há de mais vantajoso, o que há de mais necessário e o que há de mais belo para cada
  • – Três poderes da existência: não poder ser de outro modo, não ser necessariamente outro e não poder ser melhor pela concepção; e é nisso que está a  perfeição de  todas as
  • – Três coisas prevalecerão necessariamente: o supremo poder, a suprema inteligência e o supremo amor de
  • – As três grandezas de Deus: vida perfeita, ciência perfeita, poder
  • – Três causas originais dos seres vivos: o amor divino, de acordo com a suprema inteligência; a sabedoria suprema, pelo conhecimento perfeito de todos os meios; e o poder divino, de acordo com a vontade, o amor e a sabedoria de Deus

OS  TRÊS CÍRCULOS

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  • – Há três círculos de existência: o círculo da região vazia (ceugant) onde, exceto Deus, não há nada vivo, nem morto e nenhum ser que Deus não possa atravessar; o círculo da migração (abred) onde todo ser animado procede da morte e o homem o atravessou; e o círculo da felicidade (gwynfyd) onde todo ser animado procede da vida e o homem o atravessará no céu.
  • – Três estados sucessivos dos seres animados: o estado de descida no abismo (annoufn), o estado de liberdade na Humanidade e o estado de felicidade no céu.
  • – Três fases necessárias de toda existência em relação à vida: o começo em annoufn, a transmigração em abred e a plenitude em gwinfyd ; e sem essas três coisas nada pode existir, exceto Deus.

“Em resumo, sobre esse ponto capital da teologia cristã, assim como Deus, em seu poder Criador, tira as almas do nada, as tríades não se pronunciam de maneira precisa. Depois de terem revelado Deus em sua esfera eterna e inacessível, elas mostram simplesmente as almas originando-se nas camadas mais profundas do Universo, no abismo (annoufn); daí passam para o círculo das migrações (abred), onde seu destino é determinado através de uma série de existências, conforme o bom ou mau uso que hajam feito de sua liberdade; e, por fim, elevam-se ao círculo supremo (gwynfyd), onde as migrações cessam, onde não mais se morre e onde a vida transcorre em completa felicidade, em tudo conservando sua atividade perpétua e a plena consciência de sua individualidade. Seria preciso, com efeito, que o druidismo caísse no erro das teologias orientais, que levam o homem a ser finalmente absorvido no seio imutável da Divindade, porquanto, ao contrário, distingue um círculo especial, o círculo do vazio ou do infinito (ceugant), que forma o privilégio incomunicável  do Ser supremo e no qual nenhum ser, seja qual for o seu grau de santidade, jamais poderá penetrar. É o ponto mais elevado da religião, visto marcar o limite fixado ao progresso das  criaturas.

“O traço mais característico dessa teologia, se bem seja um traço puramente negativo, consiste na ausência de um círculo particular, tal qual o Tártaro da Antigüidade pagã, destinado à punição sem fim das almas criminosas. Entre os druidas, o inferno propriamente dito não existe. A seus olhos, a distribuição dos castigos efetua-se, no círculo das migrações, pelo comprometimento das almas em condições de existência mais ou menos infelizes, onde, sempre senhoras de sua liberdade, expiam suas faltas pelo sofrimento e se predispõem, pela reforma de seus vícios,     a um futuro melhor. Em certos casos pode mesmo acontecer que as almas retrogradem até aquela região do annoufn, onde se originam e à qual quase não se pode dar outro significado senão o da animalidade. Por esse lado perigoso (a retrogradação), que nada justifica, visto que a diversidade das condições de existência no círculo da Humanidade  é perfeitamente suficiente à penalidade de todos os graus, o druidismo teria, então, chegado a resvalar até a metempsicose. Mas esse extremo deplorável, ao qual não conduz nenhuma necessidade da doutrina do desenvolvimento das almas pela vida das migrações, como se verá pela série de tríades relativas ao regime do círculo de abred, parece ter ocupado, no sistema da religião, apenas um lugar  secundário.

“Salvo algumas obscuridades, que talvez resultem de uma língua cujas sutilezas metafísicas não nos são ainda bem conhecidas, as declarações das tríades relativas às condições inerentes ao círculo de abred espargem as mais vivas luzes sobre o conjunto da religião druídica. Respira-se aí um sopro de superior originalidade. O mistério que oferece à nossa inteligência o espetáculo de nossa existência atual adquire nela uma feição singular, que não se encontra em parte alguma; dir-se-ia que um grande véu, rompendo-se antes e depois da   vida,

permite à alma navegar, de repente, com uma força inesperada, através de uma extensão indefinida de que ela própria jamais suspeitou, em virtude de seu encarceramento entre as espessas portas do nascimento e da morte. Seja qual for o julgamento a que cheguemos, quanto à verdade dessa doutrina, não podemos deixar de convir que é poderosa. Refletindo sobre o efeito que esses princípios inevitavelmente deviam produzir sobre as almas ingênuas, sua origem e seu destino, é fácil dar-se conta da imensa influência que os druidas haviam naturalmente adquirido sobre o espírito de nossos antepassados. Em meio às trevas da Antigüidade, esses ministros sagrados não podiam deixar de aparecer, aos olhos das populações, como os reveladores do Céu e da  Terra.

“Eis o texto notável de que se trata:

O CÍRCULO DE ABRED

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  • – Três coisas necessárias no círculo de Abred: o menor grau possível de toda a vida e, daí, o seu começo; a matéria de todas as coisas e, daí, o crescimento progressivo, que só se realiza no estado de necessidade; e a formação de todas as coisas da morte e, daí, a debilidade das existências.
  • – Três coisas das quais todo ser vivo participa necessariamente pela justiça de Deus: o socorro de Deus em abred, porque sem isso ninguém poderia conhecer coisa alguma; o privilégio de participar do amor de Deus; e o acordo com Deus quanto à realização pelo poder de Deus, enquanto for justo e misericordioso
  • – Três causas da necessidade do círculo de abred : o desenvolvimento da substância material de todo ser animado; o desenvolvimento do conhecimento de todas as coisas; e o desenvolvimento da força moral para superar todo contrário e Cythraul (o Espírito mau) e para libertar-se de Droug (o mal). Sem essa transição de cada estado de vida, não poderia haver nele a realização de nenhum
  • – Três calamidades primitivas de abred: a necessidade, a ausência de memória e a morte
  • – Três condições necessárias para chegar-se à plenitude da ciência: transmigrar em abred, transmigrar em gwynfyd e recordar-se de todas as coisas passadas, até em annoufn.
  • – Três coisas indispensáveis no círculo de abred: a transgressão da lei, visto não poder ser de outro modo; a liberação pela morte ante Droug e Cythraul; o crescimento da vida e do bem pelo afastamento de Droug na liberação da morte; e isso pelo amor de Deus, que abrange todas as coisas
  • – Três meios eficazes de Deus em abred para dominar Droug e Cythraul e superar sua oposição em relação ao círculo de gwynfyd : a necessidade, a perda da memória e a morte
  • – Três coisas são primitivamente contemporâneas: o homem, a liberdade e a luz
  • – Três coisas necessárias ao triunfo do homem sobre o mal: a firmeza contra a dor, a mudança, a liberdade de escolha; e com o poder que o homem tem de escolher, não se pode saber antecipadamente para onde irá.
  • – Três alternativas oferecidas ao homem: abred e gwynfyd, necessidade e liberdade, mal e bem, o todo em equilíbrio, e pode o homem à vontade ligar-se a um ou outro
  • – Por três coisas cai o homem sob a necessidade de abred: pela ausência de esforço para o conhecimento, pela não ligação ao bem e pela vinculação ao Em conseqüência dessas coisas, desce em abred até o seu análogo e recomeça o curso de sua transmigração.
  • – Por três coisas retorna o homem necessariamente em  abred, se bem que, em outros sentidos   esteja ligado ao que é bom: pelo orgulho, cai até em annoufn pela falsidade, até o ponto do demérito equivalente; e pela crueldade, até o grau correspondente de animalidade. Daí transmigra novamente para a humanidade, como antes.
  • – As três coisas principais a obter no estado de humanidade: a ciência, o amor, a força moral, no mais alto grau possível de desenvolvimento, antes que sobrevenha a morte. Isso não pode ser obtido anteriormente ao estado de humanidade, e não o pode ser senão pelo privilégio da liberdade e da escolha. Essas três coisas são chamadas as três vitórias.
  • – Há três vitórias sobre Croug e Cythraul: a ciência, o amor e a força moral; porque o saber, o querer e o poder realizam o que quer que seja em sua conexão com as coisas. Essas três vitórias começam na condição de humanidade e se demoram eternamente.
  • – Três privilégios da condição do homem: o equilíbrio do bem e do mal e, daí, a faculdade de comparar; a liberdade na escolha e, daí, o julgamento e a preferência; e o desenvolvimento da força moral em conseqüência do julgamento e, daí, a preferência. Essas três coisas são necessárias à realização do que quer que seja

“Assim, em resumo, o princípio dos seres no seio do Universo dá-se no mais baixo ponto da escala da vida; e, se não é levar muito longe as conseqüências da declaração contida na vigésima sexta tríade, pode-se conjeturar que na doutrina druídica  o ponto inicial estava supostamente no abismo confuso e misterioso da animalidade. Daí, conseqüentemente, desde a própria origem da história da alma, a necessidade lógica do progresso, uma vez que os seres não são por Deus destinados a permanecer numa condição tão baixa e tão obscura. Todavia, nos estágios inferiores do Universo, esse progresso não se desenvolve segundo uma linha contínua; essa longa vida, nascida tão baixo para elevar-se tanto, rompe-se em fragmentos solitários na base de sua sucessão, mas, graças à falta de memória, sua misteriosa solidariedade escapa, pelo menos por algum tempo, à consciência do indivíduo. São essas interrupções periódicas no curso secular da vida que constituem o que chamamos morte; de sorte que a morte e o nascimento, em uma visão superficial, formam acontecimentos tão diversos que não são, na realidade, mais que duas faces do mesmo fenômeno, uma voltada para o período que se acaba, a outra para o que se  inicia.

“Considerada em si mesma, a morte não é uma calamidade verdadeira, mas um benefício de Deus que, rompendo os hábitos estreitíssimos que havíamos contraído com nossa vida presente, transporta-nos a novas condições e dá lugar, desse modo, a que nos elevemos mais livremente a novos  progressos.

“Assim como a morte, a perda de memória que a acompanha deve ser tomada também como um benefício. É uma conseqüência do primeiro ponto. Porque se a alma, no curso dessa longa vida, conservasse claramente suas lembranças de um período a outro, a interrupção não seria mais que acidental e não haveria nem morte propriamente dita, nem nascimento, visto que esses dois acontecimentos perderiam, desde então, o caráter absoluto  que os distingue e lhes dá força. E, até mesmo do ponto de vista dessa teologia, não parece difícil perceber até que ponto  a perda  da memória pode ser considerada um benefício, no que concerne aos períodos passados, em relação ao homem em sua condição presente; porque se esses períodos passados constituem uma prova, como a posição atual do homem num mundo de sofrimentos o indica, foram infelizmente maculados de erros e de crimes, causa primeira das misérias e das expiações de hoje, representando para  a alma evidente vantagem, por achar-se ela livre da visão de tão grande quantidade de faltas, bem como dos remorsos deveras acabrunhantes que daí se originarão. Não a obrigando a um arrependimento formal senão em relação às culpas da vida atual, assim se compadecendo de sua fraqueza, Deus realmente lhe concede  uma  grande graça.

“Enfim, segundo essa mesma maneira de considerar o mistério da vida, as necessidades de toda natureza a que estamos submetidos neste mundo e que, desde o nosso nascimento determinam, por uma sentença por assim dizer fatal, a forma de nossa existência no presente período, constituem um último benefício, tão sensível quanto os dois outros; porque, em definitivo, são essas necessidades que dão à nossa vida o caráter que melhor convém às nossas expiações e às nossas provas e, conseguintemente, ao nosso desenvolvimento moral; e são ainda essas mesmas necessidades, seja de nossa organização física, seja das circunstâncias exteriores, em cujo meio somos colocados que, arrastando-nos forçosamente ao termo da morte, conduzem-nos por isso mesmo à nossa suprema libertação. Em resumo, como dizem as tríades em sua enérgica concisão, aí está todo o conjunto e as três calamidades primitivas, bem como os três meios eficazes de Deus em  abred.

“Entretanto, mediante qual conduta a alma realmente se eleva nesta vida e merece alcançar, após a morte, um modo superior de existência? A resposta que dá o Cristianismo a essa questão fundamental é de todos conhecida: é sob a condição de destruir em si o egoísmo e o orgulho, de desenvolver, na intimidade de sua substância, os valores da humildade e da caridade, únicos eficazes e meritórios perante Deus: Bem-aventurados os brandos, diz o Evangelho; bem-aventurados os humildes! A resposta do druidismo é bem diversa e contrasta claramente com esta última. Segundo suas lições, a alma se eleva na escala das existências com vistas a fortificar a sua personalidade, através do trabalho sobre si mesma, resultado que naturalmente obtém pelo desenvolvimento da força do caráter, aliada ao desenvolvimento do saber. É o que exprime a vigésima quinta tríade, que declara que a alma recai na necessidade de transmigrações, isto é, nas vidas confusas e mortais, não só por alimentar as más paixões, como, também, pelo hábito da tibieza no cumprimento das ações justas e pela falta de firmeza no apego ao que prescreve a consciência; numa palavra, pela fraqueza de caráter. E, além dessa falta de virtude moral, a alma é ainda

retida em seu progresso em direção ao céu pela falta de aperfeiçoamento do Espírito. A iluminação intelectual, necessária para a plenitude da felicidade, não se opera na alma bem-aventurada simplesmente por uma irradiação graciosa do Alto; e não se produz na vida celeste a não ser que a própria alma tenha se esforçado, desde esta vida, para adquiri-la. A tríade também  não fala apenas da falta de saber, mas da falta de esforços para saber, o que, no fundo, como para a virtude precedente, é um preceito de atividade  e de movimento.

“Em verdade, nas tríades seguintes, a caridade é recomendada no mesmo título que a ciência e a força moral; mas, ainda aqui, como no que toca à natureza divina, a influência do Cristianismo é sensível. É a ele, e não à forte, mas dura religião de nossos antepassados, que pertence a predicação e a entronização  no mundo da lei da caridade em Deus e no homem; e se essa lei brilha nas tríades, é por efeito de uma aliança com o Evangelho ou, melhor dizendo, de um feliz aperfeiçoamento da teologia dos druidas pela ação da dos apóstolos, e não por uma tradição primitiva. Arrebatemos esse raio divino e teremos, em sua rude grandeza, a moral da Gália, moral que pôde produzir, na ordem do heroísmo e da ciência, poderosas personalidades, mas que não as soube unir entre si nem à multidão dos humildes.”

A Doutrina Espírita não consiste apenas na crença na manifestação dos Espíritos, mas em tudo o que nos ensinam sobre a natureza e o destino da alma. Se, pois, nos reportarmos aos preceitos contidos em O Livro dos Espíritos, onde se encontra formulado todo o seu ensinamento, seremos surpreendidos com a identidade de alguns princípios fundamentais com os da doutrina druídica, dos quais um dos mais notáveis é, sem sombra de dúvida, o da reencarnação. Nos três círculos, nos três estados sucessivos dos seres animados, encontramos todas as fases apresentadas por nossa escala espírita. Com efeito, o que é o círculo de abred ou o da migração, senão as duas ordens de Espíritos que se depuram através de suas existências sucessivas? No círculo de Gwynfyd o homem não transmigra mais, desfrutando da suprema felicidade. Não é a primeira ordem da escala, a dos Espíritos puros que, tendo realizado todas as provas, não mais necessitam de encarnação e gozam da vida eterna? Notemos ainda que, conforme a doutrina druídica, o homem conserva o seu livre-arbítrio; eleva-se gradualmente por sua vontade, por sua perfeição progressiva e pelas provas que suportou, do annoufn ou abismo, até a perfeita felicidade em gwynfyd, com a diferença, todavia, de que o druidismo admite o possível retorno às camadas inferiores, enquanto o Espírito, conforme o Espiritismo, pode permanecer estacionário, mas não pode degenerar. Para completar  a analogia, não teríamos que acrescentar à nossa escala, abaixo da terceira ordem, senão o círculo de annoufn para caracterizar o abismo ou a origem desconhecida das almas e, acima da primeira ordem, o círculo de ceugant, morada de Deus, inacessível às criaturas.

O quadro seguinte tornará mais clara a explicação

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O Espiritismo entre os Druidas

Revista Espírita, Março de 1858

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Há cerca de dez anos, sob o título Le vieux neuf 26, publicou o Sr. Edouard Fournier, no Siècle, uma série de artigos tão notáveis do ponto de vista da erudição, quanto interessantes por suas relações históricas. Passando em revista todas as invenções e descobertas modernas, prova o autor que se o nosso século tem o mérito da aplicação e do desenvolvimento, não tem, pelo menos para a maioria delas, o da prioridade. À época em que o Sr. Edouard Fournier escrevia esses eruditos folhetins não se cogitava ainda de Espíritos, sem o que não teria deixado de nos mostrar que tudo quanto se passa hoje é apenas uma repetição do que os Antigos sabiam muito bem, e talvez melhor que nós. E o lastimamos por nossa conta, porque as suas profundas investigações ter-lhe-iam permitido esquadrinhar a Antigüidade mística, como perscrutou   a

  • do T.: O velho novo.

Antigüidade industrial; e fazemos votos por que suas laboriosas pesquisas sejam dirigidas um dia para esse lado. Quanto a nós, não nos deixam nossas observações pessoais nenhuma dúvida sobre a antigüidade e a universalidade da Doutrina que os Espíritos nos ensinam. Essa coincidência entre o que nos dizem hoje e as crenças dos tempos mais remotos, é um fato significativo da mais alta importância. Faremos notar, entretanto, que, se por toda parte encontramos traços da Doutrina Espírita, em parte alguma a vemos completa: tudo indica ter sido reservado à nossa época coordenar esses fragmentos esparsos entre todos os povos, a fim de chegar-se à unidade de princípio através de um conjunto mais completo e, sobretudo, mais geral de manifestações, que dariam razão ao autor do artigo que citamos mais acima, a propósito do período psicológico no qual a Humanidade parece estar  entrando.

Quase por toda parte a ignorância e os preconceitos desfiguraram essa doutrina, cujos princípios fundamentais se misturam às práticas supersticiosas de todos os tempos, exploradas para abafar a razão. Todavia, sob esse amontoado de absurdos germinam as mais sublimes idéias, como sementes preciosas ocultas sob as sarças, não esperando senão a luz vivificante do sol para se desenvolverem. Mais universalmente esclarecida, nossa geração afasta as sarças; tal limpeza de terreno, porém, não pode ser feita sem transição. Deixemos, pois, às boas sementes o tempo de se desenvolverem e, às más ervas, o de   desaparecerem.Resultado de imagem para druidas

A doutrina druídica oferece-nos um curioso exemplo do que acabamos de dizer. Essa doutrina, de que não conhecemos bem senão as práticas exteriores, eleva-se, sob certos aspectos, até as mais sublimes verdades; mas essas verdades eram apenas para os iniciados: terrificado pelos sacrifícios sangrentos, o povo colhia com santo respeito o visgo sagrado do carvalho e via apenas a fantasmagoria. Poderemos julgá-lo pela seguinte citação, extraída de um documento tão precioso quão desconhecido, e que lança uma luz inteiramente nova sobre a teologia de nossos   ancestrais.

“Entregamos à reflexão de nossos leitores um texto céltico, há pouco publicado, cujo aparecimento causou uma certa emoção no mundo culto. É impossível saber-se ao certo o seu autor, nem mesmo a que século remonta. Mas o que é incontestável é que pertence à tradição dos bardos da Gália, e essa origem é suficiente para conferir-lhe um valor de primeira ordem.

“Sabe-se, com efeito, que ainda em nossos dias a Gália se constitui no mais fiel abrigo da nacionalidade gaulesa que, entre nós, experimentou tão profundas modificações. Apenas abordada de leve pela dominação romana, que nela só se deteve por pouco tempo e fracamente; preservada da invasão dos bárbaros pela energia de seus habitantes e pelas dificuldades de seu território; submetida mais tarde à dinastia normanda que, todavia, teve que lhe conceder um certo grau de independência, o nome de Galles, Gallia, que sempre ostentou, é um traço distintivo pelo qual se liga, sem descontinuidade, ao período antigo. A língua kymrique 27, outrora falada em toda a parte setentrional da Gália, jamais deixou de ser usada, e muitos costumes são igualmente gauleses. De todas as influências estranhas, a única que triunfou completamente foi o Cristianismo; mas não o conseguiu sem muitas dificuldades, relativamente à supremacia da Igreja Romana, da qual a reforma do século XVI mais não fez que determinar-lhe a queda, desde longo tempo preparada, nessas regiões cheias de um sentimento indefectível de independência.

“Pode-se mesmo dizer que os druidas, convertendo-se inteiramente ao Cristianismo, não se extinguiram totalmente na Gália, como em nossa Bretanha e em outras regiões de sangue gaulês. Como conseqüência imediata, tiveram uma sociedade muito solidamente constituída, dedicada em aparência sobretudo ao culto da poesia nacional, mas que, sob o manto poético, conservou com notável fidelidade a herança intelectual da antiga Gália: é a Sociedade bárdica da Gália que, após ter-se mantido como sociedade secreta durante toda a Idade Média, por uma transmissão oral de

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  • do T.: Grifo nosso.

seus monumentos literários e de sua doutrina, à imitação da prática dos druidas, decidiu, por volta dos séculos XVI e XVII, confiar à escrita as partes mais essenciais dessa herança. Desse fundamento, cuja autenticidade é atestada por uma cadeia tradicional ininterrupta, procede o texto de que falamos; e o seu valor, dadas essas circunstâncias, não depende, como se vê, nem da mão que teve o mérito de o escrever, nem da época em que sua redação pôde adquirir sua última forma. O que nele transpira, acima de tudo, é o espírito dos bardos da Idade Média, eles mesmos os últimos discípulos dessa corporação sábia e religiosa que, sob o nome de druidas, dominou a Gália durante o primeiro período de sua história, mais ou menos do mesmo modo que o fez o clero latino na Idade Média.

“Mesmo que estivéssemos privados de toda luz sobre a origem do texto de que se trata, estaríamos claramente no caminho certo, tendo em vista a sua concordância com os ensinamentos que os autores gregos e latinos nos deixaram, relativamente à doutrina religiosa dos druidas. Constitui-se esse acordo de pontos de solidariedade que não permitem nenhuma dúvida, porque se apóiam em razões tiradas da própria substância de tais escritos; e a solidariedade, assim demonstrada pelos escritos capitais, os únicos de que nos falaram os Antigos, estende-se naturalmente aos desenvolvimentos secundários. Com efeito, esses desenvolvimentos, penetrados do mesmo espírito, derivam necessariamente da mesma fonte; fazem corpo com o fundo e não podem explicar-se senão por ele. E, ao mesmo tempo em que remontam, por uma origem tão lógica, aos depositários primitivos da religião druídica, é impossível assinalar-lhes algum outro ponto de partida; porque, fora da influência druídica, a região de onde provêm só conheceu a influência cristã, totalmente estranha a tais doutrinas.

“Os desenvolvimentos contidos nas tríades estão de  tal modo fora do Cristianismo que as raras influências cristãs, que resvalam aqui e ali em seu conjunto, distinguem-se do fundo primitivo logo à primeira vista. Essas emanações, oriundas ingenuamente da consciência dos bardos cristãos, bem podiam,  se assim podemos dizer, intercalar-se nos interstícios da tradição, mas nela não puderam fundir-se. A análise do texto é, pois, tão simples quanto rigorosa, visto que pode reduzir-se a pôr de lado tudo o que traz o sinete do Cristianismo e, uma vez operada a triagem, considerar como de origem druídica tudo quanto fica visivelmente caracterizado por uma religião diferente da do Evangelho e dos concílios. Assim, para citar apenas o essencial, e partindo do princípio tão conhecido de que o dogma da caridade em Deus e no homem é tão especial ao Cristianismo quanto o é o da transmigração das almas ao antigo druidismo, um certo número de tríades, nas quais respira um espírito de amor jamais conhecido na Gália primitiva, traem-se imediatamente como marcas de um caráter comparativamente moderno; enquanto que as outras, animadas por um sopro totalmente diferente, deixam ver ainda melhor o selo da alta antigüidade que as distingue.

“Enfim, não é inútil observar que a própria forma do ensinamento contido nas tríades é de origem druídica. Sabe-se que os druidas tinham uma predileção particular pelo número três e o empregavam de modo especial, como no-lo mostra a maioria dos monumentos gauleses, para a transmissão de suas lições que, mediante essa forma precisa, gravavam-se mais facilmente na memória. Diógenes Laércio conservou-nos uma dessas tríades, que resume sucintamente o conjunto dos deveres do homem para com a Divindade, para com seus semelhantes e para consigo mesmo: ‘Honrar os seres superiores, não cometer injustiça e cultivar em si a virtude viril.’ A literatura dos bardos propagou, até nós, uma multidão de aforismos do mesmo gênero, interessando a todos os ramos do saber humano: ciência, história, moral, direito, poesia. Não os há mais interessantes, nem mais próprios a inspirar grandes reflexões do que aqueles que publicamos aqui, segundo a tradução que foi feita pelo Sr. Adolphe Pictet.

“Dessa série de tríades, as onze primeiras são consagradas à exposição dos atributos característicos da Divindade.

É nessa seção que as influências cristãs, como era fácil de prever, tiveram mais ação. Se não se pode negar ao druidismo o conhecimento do princípio da unidade de Deus, é possível que, em conseqüência de sua predileção pelo número ternário, tivesse concebido vagamente alguma coisa da divina trindade. Todavia, é incontestável que o que completa essa elevada concepção teológica, qual seja, a distinção das pessoas e particularmente da terceira, pôde permanecer perfeitamente estranho a essa antiga religião. Tudo leva a crer que os seus sectários estavam muito mais preocupados em estabelecer a liberdade do homem, do que em instituir a caridade; e foi mesmo em conseqüência dessa falsa posição de seu ponto de partida que ela pereceu. Também parece lógico associar a uma influência cristã, mais ou menos determinada, todo esse começo, particularmente a partir da quinta  tríade.Resultado de imagem para druidas

“Em seguida aos princípios gerais relativos à natureza de Deus, passa o texto a expor a constituição do Universo. O conjunto dessa constituição é formulado superiormente em três tríades que, ao mostrarem os seres particulares em uma ordem absolutamente diferente da de Deus, completam a idéia que se deve formar do Ser único e imutável. Sob fórmulas mais explícitas, essas tríades não fazem, afinal, senão reproduzir o que já se sabia, pelo testemunho dos Antigos, da doutrina da transmigração das almas, passando alternativamente da vida à morte e da morte à vida. Pode- se considerá-las como o comentário de um célebre verso da Phrasale, no qual o poeta exclama, dirigindo-se aos sacerdotes da Gália, que, se aquilo que ensinam é verdade, a morte é apenas o meio de uma longa vida: Longae vitae mors media  est.